A Contra República de Curitiba
Direção: Carlos Pronzato (2019)
Vozes progressistas do Paraná, por Carlos Alberto Mattos
Vozes progressistas do Paraná
por Carlos Alberto Mattos
Cidade-modelo, Cidade-Sorriso. Esses epítetos atribuídos a Curitiba tentam encobrir um perfil da capital paranaense historicamente ligado ao conservadorismo e ao higienismo. Nutre-se ali o ideal de uma cidade branca e pseudoeuropeizada, altamente segregada e cheia de desigualdades.
Por obra da população imigrante, foi lá que se formaram os maiores núcleos nazista e neonazista do país. A chamada República de Curitiba, aliás, tem um histórico da pesada. Em 1969, a cidade foi nomeada capital do Brasil por três dias como retribuição por ser uma das poucas capitais brasileiras que não se opuseram ao regime militar. Consta que a esposa do presidente Costa e Silva, uma curitibana, convenceu o marido a transferir a capital para agregar valor aos políticos locais que eram favoráveis à ditadura.
Até hoje os políticos de direita têm no Paraná um eleitorado garantido. Não à toa, foi Curitiba a sede da perseguição a Lula na Lava Jato após manobras executadas pelo ex-juiz Sergio Moro e os integrantes da força tarefa. Em junho de 2019, quando as verdades sobre a operação vieram à tona com a Vaza Jato e Lula ainda se encontrava preso na sede paranaense da Polícia Federal, o prolífico documentarista independente Carlos Pronzato foi até lá para realizar o média-metragem A Contra República de Curitiba.
O propósito do filme é claro: problematizar a leitura habitual de Curitiba. Com base em entrevistas com 31 pessoas locais – entre ativistas, políticos, cientistas sociais, militantes da Vigília Lula Livre, professores, advogados e jornalistas – Pronzato levanta um pequeno histórico da cidade sob um ponto de vista de consciência crítica. Com exceção de um procurador que faz voz contrária em defesa da Lava Jato, todas as falas têm caráter progressista e fornecem um contraponto à imagem obscurantista da cidade.
Como destaca uma professora, a tão mal falada República de Curitiba não pode ser desassociada das correntes ultraconservadoras que fluem no resto do país. Afinal, o Paraná não é o único polo de um pensamento escravocrata e elitista no Brasil. Além disso, o estado e sua capital viram florescer diversas revoltas populares e, mais recentemente, ocupações de escolas e movimentos de resistência ao fascismo. Curitiba, ao contrário do que se pode pensar, também tem energias que provêm da periferia e das favelas, apesar de invisibilizadas pela preponderância das classes dominantes. O documentário de Pronzato pinça alguns exemplos dessa contranarrativa.
Diante de seus entrevistados, o realizador, porém, não se limitou a falar sobre a cidade. A condição de capital da Lava Jato propicia análises sucintas dos impasses dos governos petistas com sua "política do possível", das mudanças trazidas pelos movimentos de 2013 e da politização da Justiça desde precedentes da Lava Jato conduzidos por Moro, classificado como mero agente do capital internacional.
A prisão de Lula já se afigurava cristalinamente como uma aberração jurídica e uma operação de cunho político-ideológico. Os testemunhos colhidos por Pronzato ficam como uma lição de modulação do nosso imaginário sobre um lugar e também como síntese de um momento vergonhoso da história política brasileira.
>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 30.10.2022.