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Com Vandalismo
Direção: Coletivo Nigéria  (2013)
Entre "vândalos" e "pacifistas", por Carlos Alberto Mattos
Sobre a nação que protege vidraças, por Jorge Cruz Jr.
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Entre "vândalos" e "pacifistas"
por Carlos Alberto Mattos

Durante quatro dias tensos de junho de 2013 em Fortaleza, os integrantes do Coletivo Nigéria gravaram os protestos contra a Copa das Confederações e uma manifestação por melhorias na Educação. As Jornadas de Junho ainda não haviam se configurado como tal, mas parte da juventude cearense já estava nas ruas com as pautas genéricas e confusas que caracterizaram o movimento. 

 

Com Vandalismo se destaca no panorama do "cinema do golpe" por duas razões. A primeira é trazer as manifestações de fora do eixo sudestino e brasiliense, que predominou nos filmes de maior circulação. Não por acaso, a maior parte da indignação é dirigida ao governador Cid Gomes, com os parlamentares do Congresso ocupando o segundo lugar. O governo federal não chega a ser citado diretamente.

 

O outro fator que diferencia o documentário é realçar uma discussão habitual na época, mas que não ganhou relevância nos filmes: a dramaturgia do vandalismo. As câmeras do Nigéria trepidam o tempo todo, captam as corridas do cinegrafista para fugir dos ataques da polícia; falas são interrompidas pelo espocar de bombas; mas nada abala a opção do filme por privilegiar esse debate no próprio olho do furacão.

 

Não há considerações posteriores. Tudo é colhido no ato, num conjunto de registros dos mais "quentes" de 2013, típico da forma como a mídia independente se lançava às ruas e inaugurava um novo modelo de jornalismo digital no Brasil. Em meio a batalhas de pedras, balas de borracha e gás lacrimogêneo, os microfones se abrem para manifestantes condenarem ou defenderem a ação direta contra a polícia e as depredações.

 

Essa dinâmica entre "pacifistas" e "vândalos" reflete uma polarização que existia no interior dos protestos, assim como havia dissensões quanto ao uso de máscaras para esconder o rosto e à incorporação de bandeiras e signos de partidos políticos e movimentos sociais. O filme aponta evidências de manifestantes antiviolência colaborando com a polícia na prisão de "baderneiros". Por outro lado, mostra "vândalos" ajudando no socorro a vítimas da ação policial.

 

Algumas falas alinham o enfrentamento da polícia com ideias anarquistas de "autogoverno" e "democracia direta". Outras devolvem a pecha de vandalismo ao estado e à polícia. Existe aí todo um arsenal retórico que o documentário captura não como consideração a posteriori, mas enquanto ela se produz como ato.

 

Apesar de dar voz aos dois lados em igual proporção, Com Vandalismo faz sua opção editorial condizente com o título. A intenção era ouvir também os "vândalos", que não eram julgados merecedores de serem escutados. Ao final, os créditos estampam um agradecimento "aos vândalos, baderneiros, arruaceiros e 'minorias infiltradas' que contribuíram de alguma forma com o filme e com uma nova época no Brasil". A tomada de posição, até pela última frase, espelha a ingenuidade e a falta de visão política que nortearam em boa medida os protestos de 2013. A "nova época" viria a ser os governos Temer e Bolsonaro, quando os guerrilheiros de então desapareceram das ruas.

 

Posicionamentos à parte, o filme faz um bom trabalho em jogar luz sobre aquelas divergências e transmitir com grande fidelidade o calor das refregas. As imagens e os registros sonoros de Com Vandalismo estão entre os mais eloquentes da ocasião. A cena de manifestantes cantando enquanto estão sendo enfiados num ônibus da polícia é digna de figurar nos anais das jornadas.                 

 

>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 18.6.2022.

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