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Excelentíssimos
Direção: Douglas Duarte (2018)
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Um olhar ambivalente sobre o golpe
por Carlos Alberto Mattos

Não é fácil escrever sobre Excelentíssimos. Como tampouco é fácil assisti-lo. E como certamente foi difícil realizá-lo. Ao se dispor a registrar o comportamento do Congresso Nacional justamente no período de tramitação do golpe de 2016, Douglas Duarte (Personal Che, Sete Visitas) se viu no meio de um covil em polvorosa. Na montagem final, optou por enfatizar, quase sempre, o pior do que suas câmeras captaram.

Embora tratem de uma mesma conjuntura, Excelentíssimos e O Processo se distanciam em vários graus. A grosso modo, podemos dizer que o filme de Maria Augusta Ramos põe em destaque as vítimas do golpe, ou seja, o aparato de defesa da presidente Dilma Rousseff. Douglas, ao contrário, elege o inimigo como protagonista. De alguma maneira, os dois filmes se complementam, apesar de suas imensas diferenças.

Douglas dividiu seu documentário em capítulos cronológicos, mas existe uma macrodivisão entre duas partes. Na primeira, é como se suas próprias câmeras ainda não tivessem entrado em campo. Ele remonta, com imagens alheias e narração da sua própria voz, uma crônica dos fatos que levaram da reeleição de Dilma à aceitação do pedido de impeachment pela Câmara. Sem muita razão, reserva longos minutos à reprodução e transcrição de telefonemas grampeados do celular de Lula. Até aí o filme não difere muito de uma retrospectiva levemente irônica, ressaltando sempre a conjugação de ações do PSDB, do PMDB e da Lava Jato para derrubar o governo. Ainda assim, soa excessivamente neutra a afirmação do diretor de que “até hoje a sociedade discute se o que aconteceu foi um golpe”.

Fica visível em Excelentíssimos a cautela do realizador em lançar um olhar antagônico às manobras da direita, mas sem ao mesmo tempo soar condescendente com o PT. Essa conduta se estende à segunda macroparte do filme, quando enfim entra em cena o material captado diretamente pela equipe a partir de fevereiro de 2016. Somos então submetidos a provas como uma longa peroração de Marco Feliciano, uma reunião da bancada ruralista para ameaçar um dirigente da Contag, um culto da bancada evangélica, alguns “barracos” armados no plenário da Câmara e – talvez a mais indigesta cena de cinema do ano – a consagração de Jair Bolsonaro como pré-candidato à presidência, seguida por uma tomada que o acompanha, com ar de vitorioso, por um corredor da Câmara.

O filme montado por Lia Kulakauskas constitui, portanto, um dossiê sobre o avanço da direita e da extrema-direita no cenário institucional.

Os procedimentos usados no documentário são mais de edição, com algumas intervenções superficialmente críticas, que de observação propriamente dita. São poucos os momentos em que as câmeras parecem flagrar algo de inusitado ou especialmente revelador para além do que se fala e de como se fala. Dois personagens se destacam por fazerem análises diretamente para a câmera. De um lado, o vice-líder do governo Dilma, Silvio Costa, que usa um pouco de fanfarronice nordestina para subestimar o que estava por acontecer. De outro, o deputado Carlos Marun (depois nomeado Secretário de Governo de Temer), que escancara as armações pró-impeachment e cita Sergio Moro como agente jurídico do golpe.

Quando mostra as ruas, Excelentíssimos também privilegia os partidários da derrubada de Dilma e faz questão de salientar a presença de pobres e negros naquelas manifestações. A apoteose nefasta do filme se dá em meio ao carnaval dos golpistas, mais uma vez em chave de registro “neutro”, sem um viés crítico minimamente aparente.

A importância desse filme não pode ser negada, sobretudo como documento de uma escalada de horror nacional. No entanto, por sua longa duração (152 minutos), pela reiteração de muito do que já vimos (a votação na Câmara mais uma vez!) e pela relativa ambivalência de seu ponto de vista, requer uma disposição especial.

 

>> Publicado originalmente no blog carmattos, em 23.11.2018.

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