Fora da Bolha
Direção: Marcelo Luna (2021)
2018, o ano difícil de explicar, por Carlos Alberto Mattos
2018, o ano difícil de explicar
por Carlos Alberto Mattos
Sair das nossas bolhas políticas e ideológicas tem sido um dos exercícios mais necessários e exaustivos dos últimos tempos. É tarefa para mentes ou muito abertas, ou muito cínicas. Este documentário de Marcelo Luna (autor, junto com Paulo Caldas, do clássico O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas) coloca esse desafio diante de nós. A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 deflagrou no diretor a necessidade de fazer um filme para compreender o que levou um político inexpressivo do baixo clero, marcado por inúmeras vulnerabilidades, a ocupar a presidência da República.
Luna convocou, então, dez especialistas de diferentes perfis políticos para explicarem o fenômeno diante da sua câmera. São pensadores das áreas de sociologia, ciência política, filosofia, economia, comunicação, psicanálise e marketing político. Cada um investe numa seara de interpretação e transpira diferentes matizes políticos da esquerda, de tal forma que o filme se converte numa espécie de seminário sobre o tema.
As análises são relativamente sucintas, mas em geral penetrantes. Sobressaem-se basicamente duas vertentes de explanação: a mudança nas formas do marketing eleitoral com o advento das "massas digitais" (termo usado por João Cezar de Castro Rocha) e das redes sociais, que agravou a polarização da sociedade; e os fatores sócio-econômicos, éticos e de comunicação que forjaram o antipetismo.
O filme se define no início como "um documentário político" e, no final, como "um trabalho jornalístico". O primeiro epíteto diz da sua intenção em "fazer" política, abrindo fronteiras de pensamento para além dos discursos mais comuns no debate do momento nacional. Já a segunda classificação denota um certo recuo para os limites da apuração jornalística. Fora da Bolha fica mesmo a meio caminho entre esses dois polos. Não há recursos de uma linguagem documentária que vá além dos testemunhos de torsos falantes e da inserção de propagandas eleitorais e memes de campanha. Luna se retrai enquanto retórica de enunciação, deixando que a retórica dos seus entrevistados e das peças expostas dominem a exposição.
O "seminário" transita entre a explicação didática (o filósofo Francisco Bosco, por exemplo, ensina a diferença entre conservadores e reacionários) e o diagnóstico sobre a esquerda e a direita brasileiras. O sociólogo Tales Ab'Sáber comenta a forma como a internet aglutinou os reacionários esparsos, e o mercado deixou o extremismo correr solto no submundo das redes. O antropólogo Antonio Risério esbanja sua já conhecida visão crítica controversa do ideário esquerdista, aqui voltada contra as estratégias do PT no poder. Bosco acusa o PT de ter comprometido a democracia liberal com a corrupção, mesmo quando era por causas nobres.
O viés de crítica ao PT ganha poucas nuances, ao passo que a campanha de Bolsonaro à presidência é reconhecida como mais efetiva no cenário formado em 2018: a fala direta e tosca para o eleitorado, assim como o caos de mensagens mostravam-se mais eficazes que as peças de marketing tradicionais, calcadas na metáfora e na estética publicitária. A vitória do "candidato improvável" contra o "candidato inviável" (Haddad com a máscara de Lula) teria sido, portanto, favas contadas.
O corolário de tantas opiniões é que precisamos sair das nossas bolhas para tomarmos o pulso do país. Contra o "analfabetismo ideológico" proporcionado pela polarização extrema, a saída seriam a escuta e a tentativa de compreender o outro. Descontado o possível teor de ingenuidade e de "cristianismo político" dessa proposta, Fora da Bolha fornece muito material de reflexão. Especialmente para quem ouvir com atenção em vez de ceder à tentação de "discutir" com os entrevistados enquanto assiste ao filme.
>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 18.5.2022.