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Golpe
Direção: Guilherme Castro e Luiz Alberto Cassol  (2018)
Percepções sobre um tempo golpista, por Carlos Alberto Mattos
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Percepções sobre um tempo golpista
por Carlos Alberto Mattos

Ao assumir já no título a justa definição do que aconteceu em 2016, Golpe se propõe explicar os facilitadores, o modus operandi e as consequências da derrubada de Dilma Rousseff. Para isso reúne um elenco de analistas que inclui políticos, cientistas políticos, jornalistas, artistas e representantes do sindicalismo e de movimentos sociais. Assim o filme busca vertentes múltiplas de engajamento com a política, embora todas identificadas com o estado do Rio Grande do Sul e com as pautas progressistas. A intenção é explicitada na epígrafe: refletir sobre "uma sociedade complexa e midiatizada".  

 

Os diretores Guilherme Castro e Luiz Alberto Cassol adotaram uma narrativa que se constrói a partir de fragmentos das entrevistas com os 16 entrevistados para cobrir o período 2013-2018. Não está longe de ser o resumo mais conciso e didático de todo o período. A começar pelo mais elementar: a reafirmação de que o impeachment foi na verdade um golpe aditivado por ódio de classe, misoginia e ressentimento dos derrotados.

 

Segundo essa narrativa, a oportunidade de as elites retomarem o poder depois de 14 anos de administração petista surgiu a partir de uma série de fatores. Entre eles as fragilidades do modelo de governo de coalizão e daí a inevitabilidade da corrupção; a péssima qualidade do Congresso, que se converteu num balcão de negócios; os erros do governo Dilma no front econômico, que, numa tentativa de compor com os rentistas, minaram o apoio da esquerda; o enfraquecimento dos sindicatos e dos movimentos sociais; e, na base popular, os efeitos da desideologização e da rejeição à política que ganharam corpo a partir das manifestações de 2013.   

 

A confluência desses ingredientes produziu o que o jornalista Moisés Mendes define como "produção de ignorância". E quem a produz? Resposta: a imprensa hegemônica através do que Tarso Genro chama de "midiatização do processo penal", associada a um Judiciário transformado em "bloco de resistência de uma elite", nas palavras de Gleidson Dias, do Movimento Negro Unificado. Some-se a isso a anarquia das redes sociais, que operam não por pautas políticas, mas por espasmos sem qualquer compromisso.

 

A análise se estende aos protestos de 2013, à controvérsia em torno de eventuais influxos estadunidenses no golpe e, mais remotamente, à permanência das relações de submissão do Brasil no contexto neocolonial. Enfim, um caldo político-cultural que levou à demonização de Dilma e à perseguição a Lula, que por sua vez foram redundar no desmonte trabalhista e social do governo Temer, época em que o filme foi produzido. O golpe, então, seguia seu curso. "Até onde ele vai?", perguntava-se Tarso Genro.

 

Golpe não é um filme-lamento, mas um mosaico de vozes ativamente conscientes e raciocínios muito bem articulados. A montagem fecha com uma declaração de resiliência da artista visual Zoravia Bettiol: "Eu sou otimista. Eu morro lutando".  

 

No que diz respeito à forma, o filme de Castro e Cassol se impõe pela capacidade de síntese diante de abordagem tão abrangente. As falas são entremeadas por flashes precisos de arquivos, todos eles colhidos na internet. Com a curiosidade de terem sido não propriamente importados para o filme, mas captados na tela do computador em regime de instabilidade. Isso me pareceu uma escolha ética e estética significativa, que fornece um signo de urgência e ainda simplifica a produção.   

 

>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 30.5.2022.      

 

 

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