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Junho 2013: O Começo do Avesso
Minissérie. Direção: Paulo Markun e Ângela Alonso (2022)
Mosaico de movimentos opostos, por Uirá Machado
Uma visão tímida das Jornadas de Junho, por Carlos Alberto Mattos
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Mosaico de movimentos opostos
por Uirá Machado

Na abertura do primeiro episódio, Nina Cappello, uma das líderes do MPL (Movimento Passe Livre) em 2013, relembra a primeira manifestação de junho contra o aumento das tarifas de transporte público em São Paulo. No final, o pastor Silas Malafaia puxa uma oração contra satanás.

Não é fácil explicar como se passou de uma coisa à outra nos protestos de junho de 2013, assim como não é fácil definir o seu sentido histórico.

Para alguns, as manifestações representaram o despertar de uma nova geração de movimentos sociais no Brasil. Para outros, indicaram o início da onda conservadora que avançou sobre o país. Entre os dois polos, diversas nuances e muitas incertezas.

Já lá se vão quase dez anos sem que uma interpretação se mostre dominante, e a série documental Junho 2013: O Começo do Avesso ajuda a entender o motivo.

Dirigido pelo jornalista Paulo Markun e pela socióloga Angela Alonso, o documentário apresenta os protestos como um mosaico formado por movimentos tão distintos que chegam a ser opostos, com diferenças evidentes de origem, pauta, símbolos e táticas.

De acordo com Alonso, que é professora da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), é possível agrupar os diversos grupos em três campos. “Um, para o qual se chamou mais a atenção na época, dos movimentos autonomistas, emergentes com os protestos antiglobalização, com suas táticas horizontalistas, do qual o MPL é um exemplo brasileiro”, afirma a socióloga.

“Outro, era a esquerda tradicional, socialista, que esteve muito forte na rua, embora menos notada pela mídia. O terceiro campo é aquele para o qual todo mundo atentou muito mais tarde, mas que já estava em junho: os movimentos liberais, conservadores e autoritários que a imprensa só identificava pelo uso de símbolos patriotas”.

Tudo isso aparece com clareza na série, feita em 2017 e 2018, mas que só agora estará à disposição do público no Canal Brasil, em seis episódios de 25 minutos cada um.

Na produção, imagens da época se intercalam com entrevistas editadas não de forma cronológica, mas temática.

Assim, as inspirações, os atores, as mídias e as táticas, as violências, as pautas e os desdobramentos surgem pela voz e pela perspectiva de líderes dos movimentos em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Salvador e em Brasília, além dos respectivos prefeitos e alguns responsáveis pelo policiamento.

São notáveis as contradições, mas o espectador desfruta de uma vantagem valiosa em relação aos entrevistados: os depoimentos terminaram de ser gravados durante a campanha eleitoral de 2018, de modo que ninguém ali sabia que Jair Bolsonaro, hoje no PL, viria a ser o presidente do Brasil.

O privilégio do distanciamento talvez seja decisivo quando se trata de analisar as principais consequências daquele momento –e, nesse aspecto, ganham destaque os comentários de Fernando Haddad (PT) e Eduardo Paes (PSD), então à frente de São Paulo e Rio, que já enfatizavam o refluxo conservador.

O distanciamento, porém, não ajuda a dirimir outros impasses. Os black blocs estavam lá para defender os manifestantes ou para prejudicar os protestos? A polícia começava a violência ou apenas reagia sem o devido preparo? O movimento era de esquerda ou de direita? Quais eram as pautas principais?

Como um caleidoscópio, a resposta para cada uma dessas perguntas dependerá do ponto de vista do espectador, e Junho 2013: O Começo do Avesso não para de girar o instrumento.

Talvez mais respostas apareçam no longa que Angela Alonso e Paulo Markun estão terminando, agora sobre as consequências daquelas jornadas.

>> Publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 11.6.2022.

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