Lula Lá: de Fora pra Dentro
Direção: Mariana Vitarelli Alessi (2021)
Lula na panela de polenta, por Carlos Alberto Mattos
Lula na panela de polenta
por Carlos Alberto Mattos
Lula Lá: de Fora pra Dentro é um dossiê extenso (talvez mais extenso do que deveria ser) sobre a chegada de Lula à presidência da República, as conquistas do seu governo, a passagem do bastão para Dilma Rousseff, o golpe de 2016, a Lava Jato e a prisão de Lula, a sua libertação 580 dias depois e o novo golpe que o tornou inelegível em 2018. O filme não alcança a situação atual, em que a “Jararaca” demonstra sua resiliência e se reposiciona como líder popular incontestável.
Mariana Vitarelli Alessi, responsável também pela montagem do filme, procura ecoar a capilaridade da penetração de Lula articulando falas de populares (vendedores de rua, cozinheira, DJ, repentistas) e de figuras célebres da política e da cultura, como Dilma, Jessé Souza, Tereza Cruvinel, Leonardo Boff, Otto e muitos outros. Além, é claro, do próprio Lula, numa entrevista exclusiva em que ele discorre sobre sua confiança na democracia, na Justiça, na representatividade popular e – por que não? – em si próprio como cidadão capaz de fazer o melhor para o Brasil. O professor Cândido Mendes dá o mote que gerou o título do documentário: “Lula era o país de fora que veio para dentro e trouxe os de fora para dentro do país”.
A metragem de 141 minutos bem poderia ser reduzida mediante a eliminação de muitas redundâncias na celebração dos feitos dos governos Lula e Dilma em matéria de transferência de renda, acesso ao consumo e à educação, auto-estima dos brasileiros e no que diz respeito ao lugar internacional do país. Quando atinge o período do golpe e os efeitos da Lava Jato, o conjunto de depoimentos ganha gume mais crítico, sem meias palavras para o papel da mídia golpista (Globo à frente) e tanto reprovações quanto defesas das alianças e composições que marcaram os governos do PT.
Ao comentar os protestos contra o partido, Lula se sai com mais uma de suas metáforas impagáveis: “A democracia é como uma panela de polenta no fogo. Fica lá borbulhando e soltando bolhas que queimam nosso rosto, nosso peito. Mas aquilo faz parte da polenta”.
A tentativa de desconstrução da figura pública e pessoal de Lula é analisada como obra das elites inconformadas com a ascensão das classes menos favorecidas. Se isso é sobejamente sabido por quem conhece o funcionamento da sociedade brasileira, é importante que chegue ao discernimento do público estrangeiro que está vendo o filme nos festivais internacionais. Por aqui, o documentário de Mariana corre o risco de falar para uma plateia de convertidos. Romper essa bolha exigirá um esforço especial de posicionamento do filme no mercado.
De qualquer modo, o arco dramático da presença de Lula na história recente brasileira está exposto com riqueza de informações. Um novo ciclo histórico pode estar se abrindo com a Vaza Jato e o retorno do filho de Caetés ao proscênio da política. O ano de 2022 dirá se Chico César estava certo quando afirmou que o governo Lula foi um “momento utópico” na história brasileira.
>> Publicado originalmente no blog carmattos em 23.9.2021.