Tchau, Querida
Direção: Gustavo Aranda e Vinícius Segalla (2018)
Ronda pelos acampamentos polarizados, por Carlos Alberto Mattos
Uma experiência angustiante, por Gustavo Aranda
Uma declaração de amor à democracia, por Renata Romero
Ronda pelos acampamentos polarizados
por Carlos Alberto Mattos
Filmado inteiramente em Brasília, esse documentário produzido pelo grupo Jornalistas Livres acompanhou os 30 dias que antecederam a votação do impeachment pela Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2016. Nenhuma cena dentro do Congresso, nenhum gabinete, nenhum político em exercício diante das câmeras. Fiel ao espírito dos Jornalistas Livres, o filme se lançou às ruas em busca da palavra das militâncias.
Desde meados de março, acampamentos se formaram no Plano Piloto, acomodando gente vinda de várias partes do país para apoiar ou lutar contra o golpe. O codiretor e entrevistador Gustavo Aranda se mostrava aberto a ouvir de tudo e demonstrava especial interesse pela procedência de cada um. Assim, é o povo o protagonista de Tchau, Querida. O povo em sua diversidade num tempo de polarização.
Porém, ao contrário de O Muro, que tentava olhar para aquele cenário sem exatamente tomar partido, Tchau, Querida tem claramente seu lado. Não precisávamos esperar a editora Laura Capriglione aparecer dizendo que estavam do lado contrário ao golpe. Mesmo para quem não conhecia o posicionamento político do grupo, era possível percebê-lo desde cedo pelas escolhas de montagem.
Aranda ouvia a opinião dos dois lados: os partidários do impeachment com sua retórica nacionalista genérica, autoritária e anti-corrupção; os defensores do estado de direito com seus brados de "Não vai ter golpe, vai ter luta!" e denúncias da farsa que se preparava no ambiente parlamentar com o apoio da mídia empresarial. Ali estava a raça humana (para citar a canção de Gilberto Gil tocada na trilha sonora) em seu esplendor de lodo e graça, de equívoco e resistência, de ódio e esperança.
À montagem do filme coube deixar a marca da opção pelos anti-golpe. Basta ver a contraposição dos acampamentos "verde-amarelos", com suas patricinhas, seus food-trucks e orações, aos "vermelhos" com comida comunitária, música e gente de todo tipo. Ou então o corte de uma jovem golpista desafiando: "me diga qual é o movimento mais popular" para uma massa de anti-golpistas em ritmo de samba.
Mas Tchau, Querida não descarta cenas perturbadoras como a ríspida expulsão de três patricinhas emperequetadas que se postaram como provocação numa concentração de defensores da Dilma após a votação na Câmara. Ou ainda a sequência final em que militantes de esquerda agridem o equipamento de um repórter da Globo aos gritos de "Globo golpista". Outra imagem chocante é a de duas militantes pró-golpe fantasiadas de militares preconizando as Forças Armadas como único agente capaz de "colocar ordem neste país".
Um aspecto privilegiado no filme é a atuação dos jornalistas, com um momento de destaque para a Mídia Ninja. Enquanto os anti-golpe repetiam seus refrões contra a Globo, os pró-golpe louvavam a "imparcialidade" e a "verdade" que a imprensa, a seu ver, finalmente abraçava. A presença de bolsonaristas já definidos nas estampas das camisetas antecipava o que viria dois anos depois.
A ultrajante votação do Congresso é mostrada unicamente pelo viés da "torcida" pró-Dilma, captando nos olhos a expectativa e a consequente consternação das pessoas. Nos créditos finais, vemos Dilma sendo acolhida amorosamente por seus admiradores à saída do Planalto. É então que o título Tchau, Querida se descola do slogan golpista para se transformar num aceno de legítimo carinho.
O filme teve pré-estreia na Vigília Lula Livre em 10 de maio de 2018.
>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 19.4.2022..
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