Um Domingo de 53 Horas
Direção: Cristiano Vieira (2021)
Resumo de uma ópera triste, por Carlos Alberto Mattos
Resumo de uma ópera triste
por Carlos Alberto Mattos
Cristiano Vieira pilota um painel amplo de análise do segundo mandato de Dilma Rousseff e das torcidas opostas à época do dito impeachment. Um Domingo de 53 Horas se inicia com uma narração em estilo futebolístico que compara a situação com um Fla-Flu. O domingo referido é o 17 de abril de 2016, quando a Câmara dos Deputados votou a admissiblidade do pedido de impedimento.
Até certo ponto, o documentário se assemelha a O Muro, de Lula Buarque de Holanda, em sua tentativa de abarcar as razões dos dois lados. Mas aqui fica mais ressaltada a crônica da estupidez que assaltou boa parte dos brasileiros e perdura até hoje, com consequências imprevisíveis para o futuro do país. Entre urros de antipetistas nas ruas e palavras de resistência dos que defendiam a continuidade do mandato de Dilma, está um casal humilde se preparando para vender água mineral nas manifestações. Fliston e Deise votaram em Lula; ela votou em Dilma; mas ambos estavam convencidos pelo Jornal Nacional de que a “roubalheira” era grande e o PT tinha que “sair”. Palavra da chamada opinião pública, que os oposicionistas tanto empunhavam para justificar o golpe. Uma jornalista de O Globo defende-se da pecha de golpista alegando que fazia apenas o que tinha aprendido no seu ofício, como se fosse uma simples trabalhadora burocrática.
O filme se compõe de intervenções de manifestantes, congressistas, líderes de movimentos de direita, jornalistas e manchetes da mídia, culminando com a vergonhosa sessão dominical da Câmara. O que mais caracteriza esse trabalho em relação a seus similares temáticos é o exame dos equívocos políticos do segundo mandato de Dilma e da articulação das forças de direita que se aproveitaram de sua fragilidade para deflagrar a derrubada. O papel de Eduardo Cunha, dos movimentos de rua e da traição de Michel Temer e de deputados antes fiéis ao governo, com referências secundárias a Sérgio Moro e à mídia, compõem o painel de circunstâncias que deram margem ao país que temos hoje.
Afora alguns insights novos para iluminar o que bem conhecemos, Um Domingo de 53 Horas se presta sobretudo como resumo de uma ópera triste e motivo para renovar nossa indignação.
>> Publicado originalmente no blog carmattos em 22.6.2021.