top of page
A Grande Farsa: Como Moro Enganou o Brasil e Ficou Rico
Direção: Joaquim de Carvalho e Max Alvim (2022)
As ligações perigosas de um juiz suspeito, por Carlos Alberto Mattos
O erro de Sérgio Moro ao prender Lula, por Simão Zigband
A Grande Farsa 1.jpg
As ligações perigosas de um juiz suspeito
por Carlos Alberto Mattos

O golpe de 2016 é mencionado apenas uma vez e rapidamente nesse filme de Joaquim de Carvalho e Max Alvim, produzido pelo Brasil 247 com apoio de sua comunidade de leitores. Mas não há dúvida de que seu personagem é peça-chave no descaminho tomado pelo Brasil a partir do impeachment de Dilma Rousseff. Artífice do golpe no poder judiciário, o ex-juiz Sérgio Moro construiu uma carreira calcada na parcialidade, na vaidade pessoal e na desvirtuação política de sua função.

 

É o que sustenta o trabalho minucioso de investigação levado a cabo em A Grande Farsa: Como Moro Enganou o Brasil e Ficou Rico. O filme foi finalizado enquanto Moro tentava uma candidatura à presidência da República pelo partido Podemos. Posteriormente, se contentaria com a disputa ao Senado pelo Paraná, concorrendo com Álvaro Dias, político que ele havia protegido no passado.

 

Mais que em qualquer outro projeto de Carvalho no documentário, este se apoia majoritariamente na exposição oral do jornalista diante da câmera. Numa cena, ele até faz um selfie jornalístico com o celular. É assim, olhando diretamente nos olhos do espectador, que Carvalho desfia a impressionante rede de irregularidades praticadas por Moro desde muito antes da Operação Lava Jato.

 

O cipoal chega a ser difícil de acompanhar, tal é a quantidade de nomes e ligações suspeitas, sobretudo no âmbito do Paraná. Foi ali que a família Moro, de imigrantes italianos, se instalou desde o século XIX e construiu um patrimônio rural. Em início de carreira, Sérgio se uniu a Rosângela Moro, sua esposa, também advogada e cujos clientes teriam passado a ser favorecidos pelas sentenças do marido. Ao mesmo tempo, os réus tidos como adversários tiveram de enfrentar a caçada do juiz. Os acusados pareciam escolhidos a dedo para conferir visibilidade à atuação de Moro. 

 

A tese defendida por Carvalho é de que o caminho da Lava Jato foi sendo pavimentado desde os anos 2000. Ele traz o exemplo da Sundown, fabricante de bicicletas e motos que fechou depois da condenação de seus diretores num processo conduzido por Moro no Paraná. O diretor da antiga empresa, Rolando Rozemblum, conta no filme os detalhes de sua fuga cinematográfica de um hospital, junto com o pai, rumo ao Uruguai.

 

As histórias de escutas telefônicas ilegais, proteção a delinquentes selecionados (como o doleiro Alberto Youssef) e perseguição a empresários e advogados se acumulam no relato do repórter-cineasta. O ex-delegado Gerson Machado exilou-se em Portugal por se sentir inseguro no Brasil após contestar seletividade em delações premiadas a cargo de Moro. O advogado Michel Saliba, um dos desafetos do ex-juiz, o classifica como pessoa "cruel" e "com traços de psicopatia". Também entrevistado, o procurador Celso Tres comenta a dificuldade em se investigar juízes, dado o corporativismo do setor.      

 

Joaquim de Carvalho não faz acusações formais, mas junta os pontos de uma network extensa e claramente suspeita. Para além das ilegalidades jurídicas, ele levanta indagações sobre os bens amealhados por Moro, o procurador Deltan Dallagnol e advogados que prosperaram economicamente durante a Lava Jato enquanto a indústria nacional sofria um baque sem precedentes. A passagem de Moro para os quadros da firma estadunidense Alvarez & Marsal, encarregada de fazer recuperação judicial das empresas brasileiras atingidas pela operação, e depois para o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, que ele ajudou a eleger, complementam a obscenidade profissional do ex-magistrado. O corolário da devassa apresentada no filme é que a Lava Jato precisa ser investigada a fundo. Tudo aquilo é "gravíssimo", como não se cansa de enfatizar Carvalho.

 

É notável a articulação de informações dominadas pelo jornalista. Caberia, porém, uma crítica à maneira como ele explora alguns aspectos melodramáticos. Por exemplo, o depoimento choroso de uma ex-funcionária da Sundown ou o contraste um tanto retórico da fortuna de Moro e seus asseclas com a miséria da população de rua. O uso de drones para situar o repórter em suas andanças também soa mais como um recurso exibicionista que uma exigência da narrativa empreendida.

 

>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 5.8.2022.

Leia também:

O erro de Sérgio Moro ao prender Lula, por Simão Zigband

bottom of page