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A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha
Direção: Pablo Guelli (2019)
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Como a mídia corporativa fraudou a democracia
por Carlos Alberto Mattos

O título desse filme sugere o seu contrário ao citar o slogan empregado pela direita para se opor à esquerda representada pelos governos do PT. O cartaz, porém, traz a frase sustentada por fios de marionetes, a indicar a subserviência dos seus cultores a interesses "superiores". Interesses das elites escravocratas brasileiras, que usaram o pretexto do combate à corrupção para derrubar um governo popular.

 

O documentário dirigido por Pablo Guelli elege um segmento dessa elite como alvo principal, qual seja a mídia corporativa brasileira, desde sempre corrompida pela aliança com os poderes financeiro, empresarial e militar. "Aqui a mídia é um jagunço das elites", dispara Jessé de Souza, um dos vários entrevistados de primeira linha no elenco do filme. Além de Jessé, participam com depoimentos firmes e sem rodeios o psicanalista Tales Ab'Saber, o filósofo e sociólogo Noam Chomsky, os jornalistas Luís Nassif, José Arbex, Glenn Greenwald, Joaquim de Carvalho, Xico Sá, Laura Capriglione, Eduardo Guimarães, Rodrigo Vianna, Lúcio Flávio Pinto e Marco Aurélio Carone, entre outros.

 

Com capricho audiovisual e trilha musical de André Abujamra, conciliando as diversas falas numa narrativa coesa, o longa-metragem analisa o papel da mídia em todo o panorama político entre 2013 e 2019. A carga crítica recai principalmente sobre o sistema Globo, a Folha de S. Paulo e a revista Veja, que tiveram atuações decisivas na opinião pública contrária a Dilma Rousseff, no golpe de 2016 e no estímulo ao antipetismo que redundou na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. "A mídia brasileira é fraudulenta", resume Greenwald.

 

E como isso se deu? As opiniões convergem ao examinar a manipulação do noticiário sobre as manifestações de junho de 2013, bem exemplificada numa sucessão de fragmentos de textos do Jornal Nacional. Enquanto os protestos pareciam advir de parte da esquerda, destacava-se o vandalismo e exigia-se ordem. Quando os rumos do movimento descambaram para a direita, passou-se a engrossar o coro anti-PT e defender abertamente a derrubada do governo. Ficaram famosos os "serviços" desses jornais, anunciando hora e local das manifestações pró-impeachment.

 

O mecanismo, explica-se no filme, é insuflar o medo da população e a insegurança da classe média diante de "perigos" como o comunismo, Cuba, Venezuela, a corrupção, etc. Assim se deu na última fase do governo Dilma, quando as chamadas do noticiário equivaleram a um massacre. Outro aspecto discutido é o alinhamento dos veículos em torno do discurso de direita, quando se repercutem mutuamente na defesa da "casa grande". 

 

Assim como vários jornais se comportaram no pós-golpe de 1964, também depois de 2016 houve o alinhamento em favor de Michel Temer. Afinal, as corporações midiáticas são, elas mesmas, parte do poder. Com seu alto nível de concentração e nenhuma regulação, se prestam a ser instrumento de reprodução do escravismo, do saque e da rapina – para usar termos empregados por Jessé, que não hesita em classificá-la como "parte da oligarquia criminosa".

 

O antídoto a esse desapreço pela democracia tem sido a mídia independente, que ganha realce no último ato do documentário. Vítima, ela também, do autoritarismo, vem atuando como "quilombos da imprensa", no dizer de Rodrigo Vianna, ou seja, onde se exercita a liberdade de informação. Alguns casos célebres de perseguição judicial contra blogueiros como Guimarães e Carone são lembrados pelos próprios.

 

Nassif, por sua vez, chama atenção para a importância da comunicação como nó inicial de uma rede que cria jurisprudências, que por sua vez geram as leis que regulam a sociedade. Regular a mídia, portanto, é o primeiro passo para se ter uma sociedade justa no campo da informação. Para os senhores e os servos fiéis à casa grande, porém, isso é uma insuportável bandeira vermelha.   

>> Publicado originalmente no site Brasil 247 em 28.4.2022.

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