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Integrante da Mostra Fronteiras do Festival do Rio 2019 o filme A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha, de Pablo López Guelli, começa com uma questão. Na fala concedida antes da sessão especial no MAM do Rio de Janeiro, o diretor disse que a ideia inicial era falar sobre concentração de poder na mídia e que o filme se chamaria “O País dos 6 Berlusconis”, em referência às seis grandes corporações que controlam a mídia no Brasil. Ele não contava, no entanto, com as reviravoltas políticas ocorridas após o golpe de 2016.

O filme começa apresentando a ilha de edição de uma jornalista independente. Ao escolher essa sequência, Guelli já introduz uma das personagens centrais dos últimos acontecimentos no Brasil (e no mundo): a internet. Ao ressaltar que a # (hashtag) escolhida pelos jornalistas independentes estava em primeiro lugar, mas a mídia formal se recusava a cobrir os protestos a favor da ex-presidente Dilma Rousseff, a jornalista introduz outra personagem fundamental: a polarização.

Guelli traz para o debate nomes como Noam Chomsky, Luis Nassif, Laura Capriglione, Glenn Greenwald e Jessé Souza para tentar entender a construção desse cenário desde as manifestações de 2013 até as manifestações contra a então Presidente, democraticamente eleita. A cuidadosa construção dá conta, no entanto, do tema inicial do filme. O Brasil foi e é um país controlado por uma concentração absurda de informação e veiculação.  Essa concentração não é acidental, mas reflexo do regime escravocrata do qual ainda não conseguimos nos desvincular. Nossa formação enquanto Estado-Nação foi forjada pela desigualdade de poder e saber. Ora, o que é a mídia além da própria concentração de poder e saber materializada?

Talvez isso seja mais agravante em um país como o Brasil, no qual as seis grandes empresas de mídia seguem, mais ou menos, o mesmo tom editorial, se tornando peças centrais para a legitimação do golpe. Como Chomsky nos lembra, a imprensa no país é controlada por poucas famílias de direita. Os veículos alternativos utilizam a rapidez e a força de veiculação da internet para tentar fazer ruído e, em um primeiro momento, – nas manifestações de 2013 e nas manifestações contra as Olimpíadas – conseguiu. Ao ir além dessa impressão inicial A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha se faz bastante esclarecedor.

Jessé de Souza reforça a fala de Chomsky quando diz que desde o primeiro momento que a imprensa foi montada no Brasil, ela pretendeu defender o interesse de uma elite econômica. Ainda que os movimentos de 2013 tenham sido impulsionados pelos jovens estudantes que reivindicavam o passe livre, esse movimento é rapidamente fagocitado pela mídia e separado em dois. Assim como os próprios manifestantes. A polarização se revela na figura de “Vândalos” (que queriam destruir o bem-comum) e “Cidadãos de bem” (que se posicionavam, à primeira vista, contra o governo do PT). Esses discursos podem ser encontrados em diversas mídias, e o documentário faz um interessante acompanhamento de como o discurso dos manifestantes foi sendo reinventado a partir de manchetes de jornais e capas de revistas.

A cronologia das manifestações e seus discursos aponta para uma constatação de Chomsky. Toda vez que temos grandes avanços sociais que possibilitam a uma população acessar bens e saberes que, até então, estavam vedados, há uma reação forte da elite. Isso podemos perceber em casos específicos como o da senhora que criticou a roupa de viajantes em um aeroporto, até a crítica às cotas nas universidades ou ao Bolsa Família. O que está em jogo é o acesso de novos corpos sociais a determinados espaços. Em um país extremamente desigual desde sua formação, essa ascensão provoca pavor nas elites. É, justamente, nesse momento que a imprensa pode reforçar esse medo ou optar por uma construção múltipla de discursos que incluam e dialoguem. Sabemos de qual lado nossa imprensa ficou.

Não é exagero de Glenn Greenwald quando esse diz que o medo que ele sente é de nossa imprensa. Sabemos que uma posição imparcial é impossível. Porém, ao deixar claro que o posicionamento é apenas um dos possíveis e ao se colocar como veiculadora de fragmentos de verdade, a imprensa poderia amenizar o controle exercido sobre seus consumidores. É essa defesa de uma verdade única que aterroriza Greenwald e deveria nos aterrorizar também. Digo, nos aterrorizar enquanto sociedade. Não é deslegitimando a fala da imprensa que chegaremos a algum lugar, mas é defendendo o comunicar enquanto possibilidade de conhecimento.

A metáfora da onda é utilizada em A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha para lembrar que, agora, temos o inimigo detectado. Um inimigo capaz de destruir a nação. Em nosso caso, o socialismo. No caso dos países europeus, o imigrante. Curioso como a figura do “outro” ainda hoje nos apavora. Mesmo após séculos de estudos, procuramos sempre o igual. Sempre o unitário. Sempre o neutro. A força de Bolsonaro, talvez, venha daí. Com o PT personificando a corrupção, a figura do cidadão ligado à tradição e à família prometendo uma renovação – que nunca virá através dele – se infla de poder. Curioso também como essas contradições passam batidas aos olhos da população. Renovação através de alguém que defende a tradição. Paz através de alguém que defende a morte. Liberdade através de alguém que defende a senzala. Concentração de riqueza, de terra, de imprensa. No auge do que parece ser a crise do capitalismo, quais são nossos interesses?

>> Publicado originalmente no site Vertentes do Cinema em 13.12.2019.

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