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Bloqueio
Direção: Quentin Delaroche e Victória Álvares (2019)
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Diálogo bloqueado
por Wallace Andrioli

No fim de maio desse ano, o Brasil foi paralisado por uma greve de caminhoneiros. O governo de Michel Temer balançou, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, caiu, e muito se especulou e interpretou sobre reais motivações por trás do movimento. Mas nada disso é tratado explicitamente em Bloqueio, de Victória Álvares e Quentin Delaroche, que busca registrar o cotidiano de um grupo desses trabalhadores parados numa estrada em Pernambuco. O que há de macropolítica no documentário vem das próprias falas dos grevistas. A apresentação mais geral da situação se dá de forma metonímica e exclusivamente por meio da relação da câmera com o espaço pelo qual ela se desloca, dentro de um carro que tem seu trajeto barrado por caminhões estacionados num posto de combustíveis.

Após essa cena de abertura, Bloqueio passa à observação de seu objeto, com algumas poucas interferências discursivas de Delaroche, interpelando os caminhoneiros a respeito de comentários políticos feitos por eles. Comentários que, aliás, produzem um incômodo que pontua todo o filme. As faixas e palavras de ordem pedindo “intervenção militar” são uma constante. E os diretores não sabem muito bem como lidar com isso. Por vezes, parece que estão acentuando o ridículo dos manifestantes. A cena final, ao som do hino nacional, é exemplar nesse sentido. Mas, em outros momentos, se mostram dispostos a ouvir, a tentar estabelecer algum diálogo, ainda que, no fim das contas, Álvares e Delaroche aparentemente concluam por sua impossibilidade quase total.

A tentativa frustrada de uma professora de esquerda (supostamente filiada ao PSOL) de alinhar pautas com os caminhoneiros explicita essa impressão. Mesmo havendo concordância em reivindicações práticas, a política os afasta completamente. No entanto, vale especular até que ponto os diretores não estão, nessa cena, criticando também a própria militância partidária organizada, presa em discursos que pouco conversam com a vida concreta de trabalhadores como esses – que são, em boa medida, conservadores nos costumes. O distanciamento entre a professora e os grevistas talvez reverbere a própria incapacidade que Álvares e Delaroche têm de entender completamente seu objeto.

Objeto que é, em si, fugidio, de difícil definição. De fato os diretores estão diante de discursos abjetos, mas seria correto caracterizar os caminhoneiros como inimigos políticos? Numa leitura classista da sociedade, se trata de trabalhadores, logo, de potenciais agentes da transformação revolucionária. Mas que defendem a ditadura militar e uma nova intervenção das Forças Armadas para destruir a atual democracia, vista por eles como falsa. E, ao mesmo tempo, criticam duramente o governo Temer, reconhecem que Dilma foi derrubada por bem menos (logo, injustamente?) e acreditam (ao menos um deles se pronuncia nesse sentido) que Lula, no poder, solucionaria a crise com muito mais agilidade.

Ao fim, o maior mérito de Bloqueio é captar essa confusão que marcou o movimento dos caminhoneiros e, ao reproduzi-la sem um discurso externo que a organize, dar um nó em cabeças acostumadas com documentários políticos de posicionamento claro, didático, sem contradições internas. Os risos e aplausos nervosos na sessão do filme no Festival de Brasília são sintomas disso.

>> Publicado originalmente no site Plano Aberto em 20.9.2018.

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