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Bloqueio
Direção: Quentin Delaroche e Victória Álvares (2019)
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Contradições à beira da estrada
por Carlos Alberto Mattos

A queda de braço entre governo e caminhoneiros, que quase derrubou Michel Temer, se repete atualmente na forma de impasse quanto ao tabelamento dos fretes. Por pouco, uma paralisação não voltou a acontecer, muito embora a classe agora possa estar politicamente mais satisfeita do que nunca.

Em maio de 2018, o país praticamente parou por dez dias junto com os caminhões. Quando a greve chegou ao seu sétimo dia, Quentin Delaroche e Victória Álvares levaram suas câmeras para um dos pontos da paralisação, no município fluminense de Seropédica. Caminhões estacionados à beira da Via Dutra, aos gritos de “Fora Temer” e “Globo Lixo”, os motoristas estavam convencidos de que faziam História. E muitos deles pediam uma intervenção militar no Brasil.

Bloqueio é um filme de flagrantes. Quentin com a câmera e Victória com o microfone se aproximavam dos pequenos grupos e gravavam suas conversas, reclamações e protestos. Com senso de oportunidade e excelente qualidade técnica, conseguiram captar a confusão de ideias dos caminhoneiros, que reivindicavam democracia ao mesmo tempo em que expunham sua fascinação pelo Exército e por um governo “forte” que acabasse com os “políticos corruptos” e impusesse “ordem” ao país.

Este é mais um filme que, assim como Excelentíssimos, registrou aspectos do avanço da nova extrema-direita brasileira. No caso aqui, uma extrema-direita popular nutrida numa mistura de ignorância, oportunismo e masoquismo social. O Exército era visto pelos caminhoneiros ora como um parceiro protetor, ora como uma ameaça a sua liberdade de manifestação. As contradições proliferavam nessa relação perversa de amor pelo próprio algoz.

O título Bloqueio, no meu entender, se refere não somente à obstrução de estradas e transportes, mas também a um bloqueio do pensamento, que conduz – como disse o colega José Geraldo Couto – à busca de soluções simples para questões complexas.

Os flagrantes incluem pregações evangélicas, discussão sobre porte de armas, a ingerência de uma professora tentando dissuadi-los de pedir intervenção militar e uma grotesca marcha festiva ao som do Hino Nacional. Para completar o quadro, só faltou colher algum sinal da contribuição dos patrões (o locaute) no fomento daquela situação-limite. O desespero social, por si só, não chega para explicar tanta imprudência.

Em sua forma despretensiosa mas eficaz, Bloqueio deixou evidente um caldo político ao mesmo tempo bruto e complexo. Flagrou mais um passo que dava o Brasil no rumo da insânia ora em vigor.

>> Publicado originalmente no blog carmattos em 3/8/2019.

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