Brasil: O Grande Salto para Trás (Brésil: Le Grand Bond en Arrière)
Direção: Frédérique Zingaro e Mathilde Bonnassieux (2016)
Franqueza vinda da França, por Carlos Alberto Mattos
O recuo da democracia no Brasil, por Xandra Stefanel
Franqueza vinda da França
por Carlos Alberto Mattos
O humorista e articulista Gregório Duvivier é o âncora deste documentário francês de média metragem que sintetiza os retrocessos políticos, econômicos e sociais derivados do golpe que retirou Dilma Rousseff do poder. Duvivier é não só ouvido como cidadão e visto em esquete do Porta dos Fundos, mas também aparece entrevistando Dilma, defendendo o uso do termo "golpe" junto a um editor da Folha de S. Paulo, acompanhando Guilherme Boulos em visita a beneficiados pelo MTST e fazendo palestras na Agência Pública e em uma escola ocupada pelos estudantes.
A escolha desse personagem-guia já alinha Brasil: O Grande Salto para Trás a uma perspectiva francamente progressista. Como produção estrangeira, assume visível diferença em relação às meias palavras da minissérie Brasil em Transe e fica mais próxima do argentino El Odio. Realizado nos tempos do governo Temer, faz críticas frontais ao presidente usurpador no próprio texto de narração. Traz Técio Lins e Silva criticando o desrespeito da Lava Jato aos advogados de defesa. O jornalista Luiz Carlos Azenha aponta a parcialidade da imprensa como um ensaio de "ditadura da mídia". Boulos anuncia a resiliência dos processos de ocupação, assim como os alunos de uma escola ocupada no Rio de Janeiro.
Pelo lado da direita, as diretoras não se furtam a ouvir representantes do pior pensamento, de tal maneira que isso soe como uma autodenúncia. O Congresso brasileiro, diz o texto da narração, é uma concentração de grandes empresários e produtores rurais que estão ali para proteger seus interesses. É o caso do político e fazendeiro ultrarracista Luís Carlos Heinze, que elogia a ditadura pelo viés do progresso agrário e tem reproduzido seu hediondo discurso contra "negros, índios, gays e lésbicas". José Serra, por sua vez, é flagrado demonstrando não conhecer direito os países que compõem os BRICs.
Como contraponto a essas celebridades, lá estão alguns exemplos de comunidades populares que melhoraram de vida durante os governos petistas e então (em 2016) se viam ameaçadas pela nova ordem imposta após o golpe. Nem todos, porém, partilhavam esse reconhecimento e essa nova forma de viver o social. Para muitos, a fé passava a substituir a política. As igrejas evangélicas forneciam massa de manobra para a ascensão do ultraconservadorismo, que já despontava no horizonte. No Rio de Janeiro, Marcelo Crivella derrotava Marcelo Freixo nas eleições municipais.
O paralelo do impeachment de Dilma com a deposição de Fernando Lugo no Paraguai em 2012 serve para ilustrar o salto para trás não apenas do Brasil, mas como tendência da América Latina naquele período. Felizmente, dez anos depois o panorama seria bem outro, com as vitórias da esquerda no México, Argentina, Chile, Colômbia e a reposição na Bolívia.
O documentário das jornalistas Frédérique e Mathilde é um dossiê conciso, e mesmo assim diversificado, que examina com franqueza um tempo de desilusão e prejuízo para a democracia. Gregório Duvivier simboliza uma atitude jovial, engajada e independente que tentava resistir ao impulso da marcha à ré.
>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 11.5.2022.
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