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Sem Partido
Direção: Verso de Pé Quebrado - Narrativas (2014)
"Nada nos representa", por Carlos Alberto Mattos
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"Nada nos representa"
por Carlos Alberto Mattos

Sem partido, sem liderança, sem bandeiras. Esses três brados disputaram as manifestações de 2013 e 2014 com representantes de partidos e de movimentos sociais. A juventude – e muitos adultos e idosos também – que saiu às ruas pedia uma nova ordem política, não organizada nem institucionalizada. Pedia-se "democracia direta", embora quase ninguém soubesse o que isso significava, nem se seria jamais alcançável. Os objetivos se atropelavam e se anulavam numa dinâmica caótica cujos lemas menos confusos eram a rejeição à representatividade política e ao capitalismo. Tomados esses dois como faces de uma mesma moeda.

 

O documentário Sem Partido, realizado em Fortaleza por um coletivo chamado Verso de Pé Quebrado - Narrativas, que se define como "uma tática de comunicação e audiovisual", reflete à perfeição a anomia do movimento. O filme é uma embolada de conceitos e de imagens, focalizando algumas manifestações ocorridas na capital cearense. Pessoas gritam para a câmera, figuras folclóricas desfilam pelas ruas e praças, manifestantes discutem entre si, black blocs atacam vidraças de banco.

 

Boa parte do tempo é passada nas manifestações em defesa do Parque do Cocó, a maior área verde de Fortaleza, que em 2013 teve uma parte de sua reserva ecológica ameaçada de destruição para construção de uma rede de viadutos. Vemos também fragmentos de uma greve universitária, de uma passeata do Movimento Passe Livre e tentativas de ocupação das sedes dos governos estadual e municipal. Uma das sequências mais dramáticas enfoca o despejo violento dos moradores da Comunidade Alto da Paz. 

 

Como no filme Com Vandalismo, cuja equipe de realização tem interseções com a de Sem Partido, a carga dos protestos se dirige nominalmente aos políticos locais, embora se estenda com menor ênfase à administração federal. A crise de representatividade na democracia atravessa os textos e subtextos dos manifestantes e dos três especialistas convidados a comentar os fatos. São eles o jurista Leonardo Resende Martins, a filósofa Sandra Helena Souza e o sociólogo Pedro Albuquerque. Cabe a este último uma das observações mais clarividentes a respeito do modelo econômico brasileiro: "O estado precisa parar de ser babá dos capitalistas e impor a eles o capitalismo".

 

O filme transita constantemente entre a massa e os explicadores, tendo a meio caminho dois integrantes do Coletivo Nigéria (autores de Com Vandalismo), que procuram fazer a voz intermediária de quem está dentro e fora ao mesmo tempo. Esse exercício de autoconsciência fica, contudo, prejudicado pela timidez dos dois rapazes diante da câmera.

 

Sem Partido espelha a barafunda de 2013/2014 também na sua forma. Frases escritas na tela, narração, depoimentos e captação tosca das ruas se sucedem sem critério visível na montagem e na edição sonora. Uma longa peleja verbal entre um jovem radical e um político no meio de um protesto nos chega sem áudio na maior parte do tempo. O interesse do(s) cinegrafista(s) parece ser mais flagrar o alvoroço que buscar um sentido do que flagra. Assim o filme compartilha a inconsequência e a disformidade da grande revolta popular que abriu caminho para o fascismo no Brasil.       

>> Texto escrito especialmente para este site-livro em 11.6.2022.

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