top of page
A Trama - A História da Prisão de Lula
Minissérie. Direção: Otávio Antunes, Carlinhos Andrade e Vinicius Zanotti (2022)
Como e por que o sistema de Justiça e a mídia sequestraram Lula e a democracia, por Paulo Donizetti de Souza
Lula na mira dos partidos da Toga e da Mídia, por Carlos Alberto Mattos
Os fragmentos de uma tramoia, por Cássio Starling Carlos
A Trama 4.jpg
Como e por que o sistema de Justiça e a mídia sequestraram Lula e a democracia
por Paulo Donizetti de Souza

Era madrugada de 4 de março de 2016 quando a Polícia Federal, por ordem do então juiz Sergio Moro, invadiu o apartamento onde viviam Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher Marisa Letícia. Enquanto tudo era revirado – sem que nada comprometedor fosse encontrado –, policiais levavam o ex-presidente ao escritório da PF no Aeroporto de Congonhas. Um caso inédito de condução coercitiva de um cidadão de quem jamais fora solicitado um único depoimento pelos operadores da Lava Jato, de Curitiba. O que aconteceu com o Brasil daquele dia em diante está esmiuçado na série A Trama.

A Trama começa exatamente naquele 4 de março. Lula é levado à exposição em local público, separado por paredes de vidro de grupos carregados de ódio alimentado pelo noticiário. A imprensa parceira da Lava Jato, inclusive, já estava avisada da condução coercitiva. Tanto que horas antes, na madrugada, já se viam vibrações veladas em redes sociais de “jornalistas”.

“No momento em que um policial toca num ex-presidente da República, e o obriga a ir para qualquer lugar, não existe mais civilidade na política brasileira. Não haverá mais respeito à dignidade do adversário. O adversário é inimigo, e isso não tem volta”, afirma o historiador Lincoln Secco, um dos mais de 40 entrevistados da série. Desse modo, ele desmonta o falso conceito de “polarização entre esquerda e direita” então criado. O clima político é de ódio, e não é de ódio recíproco, ele define. “O ódio vem de um dos lados, e não dos dois.”

Ódio solto no ar

Nos dias que seguem, vêm as convocações, na programação de emissoras e portais, para manifestações de massa “contra a corrupção” e pelo impeachment de Dilma Rousseff. Os protestos de 13 de março, nove dias depois, darão sequência às cenas seguintes de A Trama. Pois seriam os primeiros de uma série de atos convocados com a mesma “paixão” e com apoio da imprensa comercial.

Sequestrando o verde e amarelo, e uniformizados com a camisa da CBF, manifestantes exibirão seu ódio nas ruas nos meses seguintes. O plantão da Globo interromperá sua programação para mostrar. Mas os brados contra o Bolsa Família, as cotas raciais, o ProUni e outros programas sociais são reveladores: o alvo de quem insuflava essas manifestações nunca foi a corrupção.

“Ora, nunca houve mobilização séria no Brasil contra a corrupção. Era contra o PT, contra a esquerda. As pessoas não se mobilizaram contra a corrupção, porque no centro dessa mobilização, São Paulo, nunca houve um movimento de massas contra o PSDB. E nunca houve corrupção no governo do PSDB em São Paulo? Em 500 anos de história do Brasil o PT é o primeiro partido corrupto? Ninguém acredita nisso. Nem eles”, observa Lincoln Secco.

O golpe que se desenhava jogou a elite brasileira contra o pobre, no Orçamento. Mas, de outro lado, o buraco, segundo a ambição dos órgãos de inteligência que participavam do conluio com a Lava Jato, era mais embaixo. Aliás, muito mais embaixo: abaixo das profundezas do mar territorial brasileiro, onde se descobriram novas e gigantescas reservas de petróleo do pré-sal.

Ficção e realidade

A importância da cadeia de negócios em torno do petróleo para o futuro do Brasil já havia sido detectada pelos serviços de espionagem dos Estados Unidos. Anular o potencial energético revelado pelo Brasil com a descoberta, em 2006, virou objetivo estratégico dos EUA. E compôs a aliança construída com parte da elite social, política, judiciária e midiática do Brasil.

De um lado, essa elite ocuparia na marra um espaço que não mais conseguia ocupar no voto; de outro, a importância do pré-sal para o Brasil seria controlada. Tanto do ponto de vista social e econômico quanto no plano da geopolítica global.

Existe uma série americana chamada Homeland (Pátria) que atualmente ainda pode ser vista por assinantes do Prime Vídeo. São oito temporadas, a primeira em 2011 e a última em 2020, com 12 episódios cada uma. Poucas vezes se viu na indústria do “entretenimento” um retrato tão detalhado da falta de escrúpulo da política externa dos EUA. E de sua capacidade – por meio de seus órgãos militares, de inteligência e de segurança – de interferir nos quintais alheios, mesmo sem pôr os pés lá; mas quase sempre pondo. Inclusive de fabricar mobilizações “de massa” como se aquele próprio povo estivesse revoltado e determinado a derrubar o governo. Fosse na Síria, na Líbia, no Afeganistão, na Venezuela, no Paquistão – na Rússia não…

Guerra híbrida

Então, vendo a série A Trama, sobretudo o segundo episódio, não é difícil os episódios de Homeland virem à memória de quem os assistiu. Uma diferença é que A Trama não é uma obra de ficção, mas um documento moderno em torno, também, da guerra híbrida que substitui a Guerra Fria. E da entrada dos algoritmos como arma do confronto ideológico para manter a hegemonia cultural e econômica dos donos do poder de sempre.

Outra diferença é que, nas ficções, em geral o império americano figura como herói da humanidade. Mas na realidade documentada em A Trama, os heróis escolhidos pelo império americano para mudar a história do Brasil vão se apequenando a cada golpe.

Impossível não imaginar como estará a cara de colunistas e jornalistas ao se verem no papel de coadjuvantes dessa farsa. Ou assistir às falas tão sem pé nem cabeça de Deltan Dallagnol e Sergio Moro e não pensar: como esses caras conseguiram tudo isso?

Processo histórico

Nos últimos anos, o cinema brasileiro foi perspicaz na produção de obras a seguir os passos da construção do golpe de 2016. Entre elas os documentários Democracia em Vertigem (Petra Costa, 2019), O Processo e Amigo Secreto (Maria Augusta Ramos, 2018 e 2022) ou Alvorada (Anna Muylaert, 2021). Cada um com sua linguagem, abordagem e fio condutor, e o mesmo processo histórico como pano de fundo. Mas um filme, ainda que com a qualidade impecável dos citados, tem seus limites para abordar um processo histórico, a começar pelo seu “teto” em torno de 90 minutos de duração.

Nesse sentido, por seus mais de 300 minutos de duração serem divididos em uma série com seis episódios, A Trama pode ir mais longe. Ou seja, tem mais tempo para jogar luz sobre um determinado fato isolado, e mais espaço para descrever como esse fato se conecta com o fato seguinte. E este com o seguinte, e assim por diante.

Dessa forma, percorre o período que vai da condução coercitiva de Lula em 2016 até a chegada do ex-presidente em São Bernardo do Campo em novembro de 2019. No mesmo Sindicato dos Metalúrgicos de onde fora levado para passar 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba.

Ligando os pontos

Ou seja, não existe na série A Trama um ponto sem nó. Cada momento é seguido de uma breve análise de um observador – portanto, não cansa, mas instiga. São jornalistas, historiadores, sociólogos, cientistas políticos, juristas. E também os constrangedores balõezinhos de conversas entre juiz e procuradores revelados pela Vaza Jato.

E assim, com precisão de roteiro e montagem, além de excelente qualidade técnica, ligam-se todos os pontos de A Trama. Ou do conluio entre sistema de Justiça, imprensa, serviços de inteligência norte-americanos e a elite brasileira para sequestrar Lula e a democracia.

>> Publicado originalmente no site da Rede Brasil Atual em 1.7.2022.

Leia também:

Lula na mira dos partidos da Toga e da Mídia, por Carlos Alberto Mattos

Os fragmentos de uma tramoia, por Cássio Starling Carlos

bottom of page